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Sandra Fayad Bsb
Minhocário de Palavras
Meu Diário
13/01/2014 00h24
Resenha do livro GRANDE SERTÃO VEREDAS por Sandra Fayad

Grande Sertão, Veredas

(Sandra Fayad: como percebi o livro)

“A vida não tem recompensas nem punições, apenas consequências”. Encontrei esta frase atribuída a Orizon Jr. Freitas, enquanto pesquisava a respeito de Guimarães Rosa, para tentar entender sua obra, objeto do nosso próximo encontro.

Pensei que esta frase poderia ser um parâmetro para ler e comentar a obra.

Do ponto de vista literário, penso que se trata de uma saga à moda brasileira. Segundo a Enciclopédia Wikipédia, “o termo Saga refere-se a histórias narradas em prosa originárias especialmente da Islândia medieval, assim como de outros países nórdicos. Estas sagas, geralmente anônimas, misturam aspectos históricos com mitologia e religião.”

É que o que se vê entranhado nesta obra de Guimarães Rosa. O autor só pode escrever a riqueza e beleza contida em cada palmo dos rincões da Bahia, Minas Gerais e Goiás, porque montou a cavalo e foi lá ver, sentir e perceber a alma do homem que ali habita, os sons e os movimentos da natureza que o cercam e com ele interagem.

O monólogo (um longo conto) é um caminho interessante. Por isso, imagino que o autor de fato ouviu Riobaldo na varanda da fazenda Gregório, herdada do seu padrinho, Solorico Mendes, que na verdade era seu pai.

Foi pensando na sobrevivência do filho, que o pai (personagem) o encaminhou à escola e lhe ensinou a ser um exímio atirador. Essas são as armas de que Riobaldo dispunha para iniciar a jornada pela vida afora. Quando se deixou impressionar pela personalidade de seu aluno, Zé Bebelo, e partiu para as aventuras, o conhecimento adquirido o levava muitas vezes ao desejo de desistir, mas a vaidade de bom atirador e a paixão por Diadorim o mantinham na jagunçagem.

Paulo Rónai em 1956 diz que Riobaldo é o Fausto sertanejo, “inculto, mas dotado de imaginação e poesia...”

Murilo Veras diz que “Riobaldo representa nesta saga de dor, aventuras, sangue e esperança pelo advento do futuro com outras gerações que hão de fortalecer o Grande Sertão de um Mundo Novo.”

Fernando Ribeiro define Riobaldo como “figura ambígua; é homem de paz e de guerra. É meio jagunço; meio cavalheiro. É homem de fé, mas já flertou com o demo, em certa encruzilhada. É o homem das coisas do destino; não das coisas certas.”

Embora eu não tenha feito uma pesquisa ampla sobre o personagem, sei que deve haver centenas de definições a seu respeito pelos demais estudiosos da obra.

Riobaldo para mim lembra o Zé Baiano, que chegou à fazenda do papai, na beira do rio São Marcos, em Goiás por volta de 1960. Zé Baiano passava os dias contando aos nativos suas aventuras recheadas de perigos, misticismo e miséria. Alguns ficavam bem impressionados, outros diziam que metade era mentira. Riobaldo é mais. É também um homem sensível, justo, questionador e estável em meio à instabilidade. Acredita no amor, percebe a feminilidade pelo olfato, pelo olhar, pelos gestos. Quer construir um futuro melhor. Por isso, precisa saber se o demônio existe para dele se defender ou a ele se aliar.

De fato, a obra em questão apresenta características espetaculares: os horrores da mortandade, inclusive o sacrifício de animais, nas guerrilhas entre os bandos pelo domínio do espaço; a vida e os valores morais e místicos dos habitantes fixos, onde os bandos se instalavam na sua peregrinação, cobravam impostos, criavam leis, julgavam, condenavam e absolviam os atos dos cidadãos; a exuberância da natureza (rios cristalinos, vegetação rica, pássaros e outros animais silvestres), que contrastava com os sanguinários confrontos de interesses.

Zé Bebelo é um personagem importante e é também o ídolo de Riobaldo. Sua personalidade foge à regra, porque ele transforma o inferno em paraíso com suas palavras e atitudes sempre pontuais e justas do ponto de vista da maioria. É carismático e alegre. Gosta de música, dança, poesia. É um político nato.

Diadorim é uma mulher, que se faz passar por homem para ingressar no bando e seguir a sina do seu pai, Joca Ramiro, que chefiava um dos maiores bandos do sertão. Com a morte do pai por Hermógenes (o sanguinário, o demônio), passa a exercer influência decisiva no bando com o objetivo de realizar a vingança e destruir o inimigo, a qualquer preço.

Mas, mesmo diante da dureza da vida de jagunço, Diadorim mantem a condição de mulher sedutora, apaixonada, ciumenta. Não lhe passam despercebidos os movimentos delicados e as cores da natureza que a cercam. É sensível ao amor de Riobaldo, mas forte o suficiente para não se entregar a ele, pelo menos até o enfrentamento de Hermógenes. Estava prestes a contar-lhe seu segredo, mas se deteve. Talvez tenha esperado que Riobaldo, seu homem amado, interferisse na luta contra o inimigo e a salvasse nesse momento, mas ele ficou paralisado.

E Guimarães Rosa fica nos devendo o final feliz das novelas da telinha e dos filmes açucarados de Hollywood.

 O vocabulário, de difícil compreensão no início da obra, vai ganhando leveza pela repetição e envolvimento, página por página.

Algumas frases que gostei: “toda saudade é uma espécie de velhice.”; “o amor, já de si, é algum arrependimento.”; ”Ficar calado é que é falar nos mortos”; “Deus come escondido e o diabo sai por toda parte lambendo o prato.”; “Deus existe mesmo quando não há.”; “A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.”; “Dor não dói até em criancinhas e bichos e nos doidos – não dói sem precisar de se ter razão nem conhecimento?”; “O real não está na saída nem na chegada: ele dispõe para a gente é no meio da travessia.”

                                                                                                                 Bsb, 12/01/2014

Publicado por Sandra Fayad Bsb
em 13/01/2014 às 00h24
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